05. Capanga eleitoral-v1-cap01-m05
Foram-se os tempos em que as honras tive
D’alto fidalgo, de marquês até,
Era meu cetro meu cacete destro,
Meu trono as caras onde eu punha o pé
Quantas vitórias não contei nos dias
Do meu reinado, que já lá se vão
Cartas eu dava, bajulado eu era
Tinha excelências numa eleição
Fugir fazia de meus pulos cueras
Dez mil urbanos sempre fui de lei
Na cabeçada esbodeguei mil caras
Numa rasteira muitos tombos dei
Quando eu pulava qual cabrito novo
Gingando à frente da procissão
Alas abria num volteio doido
Rodopiava mais do que um pião
Num passe breve da navalha minha
Pelo gostinho de estreá-la só
Riscava um traço de união com sangue
Num gordo ventre, sem pesar nem dó
Tive tais honras que na própria igreja
Tirei sem mágoas muita vida ruim
A minha faca não fazia graças
E Deus parecia recear de mim
Não tinha pernas no sambar sestroso
Quando a crioula aveludando o olhar
Se desfolhava em contrações dengosas
E vinha o peito de paixão magoar
Mas ai daquele que a tentar quisesse
Num belo samba sempre fui tutú
Fazia o cujo dar no chão dois beijos
Sacava a bicha, sem mais nada, fú
Mas se a crioula desse corda ao cabra
Pagava caro por querer trair
Pois o meu ferro, sempre alerta e pronto,
Nunca fez graças pra ninguém sorrir
Eu fui turuna e fui moleque cuera
Destabocado, mas aos meus leal
No pé, no ferro, no cacete destro
Na capangagem nunca vi rival
Deixo o meu nome às tradições da pátria
Eu fui nagoa destemido, olé
A minha gente nem do rei temia
Quando eu nos rolos espalhava o pé
Hoje estou velho, esbangalhado e pobre
Mas a faceira trago sempre cá
Foram-se os tempos de prazer e glórias
Mas muito sangue derramei eu já!
Meu nome lego às tradições da pátria
Altos poderes com a cabeça eu dei
De muita besta fiz um deputado
Da monarquia fui segundo rei
Arrebatou-me a majestade um dia
Um chefe ingrato – Sampaio Ferraz.
Fui pra Fernando de Noronha logo
Que um raio o parta e me deixe em paz.
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